É Tudo Dele: João Miguel Tavares e o Amor Possessivo

Ana Martins
3 min readJul 26, 2022

Há quem goste de contar a história do colonialismo português (e da hegemonia branca) como se fosse uma história de amor. Se algum dia isto lhe acontecer, esteja atenta aos seguintes sinais.

Os amantes possessivos são egoístas, controladores, manipuladores e abusadores. São, sobretudo, inseguros. Receiam o abandono e a perda. Não confiam. Protegem-nos das más companhias, nomeadamente daquelas que se insurgem contra eles. Têm algo a dizer sobre o que vestimos e como nos penteamos. Não sabem como se hão-de entreter, e por isso usam-nos como entretenimento. Ofendem-se facilmente se lhes pedimos espaço e, sobretudo, Independência. O sentimento de possessão intensifica-se perante movimentos de Resistência e Emancipação.

O mais recente texto de opinião de João Miguel Tavares, dedicado à polémica das tranças de Rita Pereira, exemplifica particularmente bem como uma bem-intencionada “apreciação cultural” não exclui a sua gémea “apropriação cultural”. Neste caso, a apropriação cultural é mais do que insulto. É abuso emocional. Os sinais que apontam para uma relação possessiva estão todos presentes.

O autor veio a público afirmar que Billy Holiday, Maya Angelou, Mahalia Jackson, Son House, Leslie Odom Jr, Sam Cooke, Ibrahim Ferrer, Elza Soares, vários sambas da cartola, Luther King e Obama, Machado de Assis, James Baldwin, Spike Lee, Cesária Évora, Ella Fitzgerald, W.E.B. Du Bois e Michael Jordan são todos dele:

Para o caso de ser este o caminho que a luta anti-racista está a tomar em Portugal, quero desde já declarar que Billie Holiday, Maya Angelou, Son House ou Elza Soares são meus. (…) Arranco as tranças a quem mos quiser tirar.

Já defendi noutro lado a ideia de que a relação estrutural entre o sujeito hegemónico que aprecia e o objeto subalterno que é apreciado é uma relação apropriativa. Tal como os amantes possessivos, João Miguel Tavares tende a apropriar-se daquilo que aprecia.

Uma das vozes que João Miguel Tavares afirma serem suas é a de W.E.B. Du Bois. Em The Souls of White Folks, Du Bois define a branquitude como: “the ownership of the earth, forever and ever.” A opinião de Du Bois assenta como uma luva em João Miguel Tavares, para quem tudo o que a vista alcança é propriedade sua. Ao afirmar que é tudo…

Ana Martins

Researcher | Writer | Mother of two | Author of Magic Stones and Flying Snakes https://www.peterlang.com/document/1052524